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quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Lab de Corpo II - Relatório IV (Pagode) - Thiago

Findamos o primeiro período do nosso Laboratório do Corpo, com a visita a um Ensaio de Pagode, desses que acontecem de maneira constante na noite da cidade de Salvador. No dia 24 de outubro de 2009, às 22 horas, nos reunimos de maneira assistemática e adentramos nas estruturas de um ambiente privado, no bairro do Roma, para investigarmos a relação entre a corporeidade presente naquele espaço, as suas formas de configurar-se e os seus propósitos políticos ideológicos reverberados no corpo que dança.

Faz-se necessário que seja registrado aqui neste relatório o nível de excitação por parte de nosso grupo com relação à visita. Até estarmos de fato inseridos no contexto, fomos contaminados por uma disposição etnocêntrica que atribua àquele contexto diversos significados preconceituosos e que não necessariamente correspondiam as expectativas engendradas outrora.

Apesar de estarmos na posição de observadores, logo nos familiarizamos com o espaço e procuramos observá-lo de uma maneira discreta e sem pôr em detrimento os estados configurativos dos corpos engajados naquela proposição de dança.

É válido ressaltar que o nosso objetivo específico como estudantes do Curso de Graduação em Dança era direcionar os nossos olhares para os corpos presentes naquele ambiente, desvelando a relação do sujeito (texto) x contexto, e, não necessariamente a dança construída e coreografada, pois acreditamos que a forma como os estados de corporeidade se impõe no âmbito dos ensaios de pagode, vão muito além dos códigos que imperam nesse tipo de composição.

Esta visita nos possibilitou perceber como o corpo é utilizado de maneira proficiente para disseminar um pensamento ideológico construído pelos seguidores desse movimento. Ao utilizarmos a palavra “proficiência” não estamos enaltecendo o conteúdo que esses corpos expõem, estamos apenas ratificando que a comunicação é eficaz. A impressão é que os corpos presentes todos têm a funcionalidade a priori de antecipar a narrativa das músicas. É como se voltássemos aos paradigmas anteriores no qual a música e dança eram aparentemente indissociáveis, pois no pagode percebemos que há ainda a necessidade do corpo subsidiar com mais veemência o discurso sexista elaborado nas composições das músicas.

É interessante atentarmos para a organização proposital desse tipo de música, que utiliza como estratégia de composição o uso exacerbado dos verbos de ações, que nos causa a impressão de ser uma recursividade para a conversão semiótica desse discurso, que se dá no corpo e pelo corpo em sua plenitude.

Essa discussão sobre a relação de transe do corpo a partir do estímulo externo (música) é interessante de ser pensada por nos auxiliar a compreender os padrões de movimentos estereotipados que figuram a nossa cidade e de certa forma nos projeta enquanto “povo que dança” para as demais regiões do país, haja vista o fenômeno Carla Perez na década de 90 e a continuidade desse fluxo com a Profª Jackeline muito recentemente. Ambas tiveram a sua imagem veiculada e atrelada ao pagode, no entanto, a primeira simbolizou aquela conjuntura como um corpo que construía o sentido para vícios de linguagem como metáfora e ambigüidade, voltadas para o pensamento sexista. Enquanto a Profª Jackeline serviu como corpo que dança para conotar uma visão machista-sexual do pagode contemporâneo, que abandona parcialmente os vícios de linguagens citados anteriormente, e assume outro: a “hipérbole sexual”.

Outro fator que acreditamos ser de extrema relevância trazer para o cerne desta discussão consiste no fato do ambiente visitado abrigar variações diferentes de um mesmo estilo, ou seja, tínhamos o pagode mais difundido na cultura baiana, sobre o qual já levantamos algumas questões ao longo do texto, mas também houve um show de pagode (partido alto) bem mais comum na cultura do sudeste. O que foi possível constatar com base nessa primeira observação, é que existe uma relação de interdependência entre o corpo que dança e a música, porque enquanto estávamos assistindo o show da primeira banda, que tocava o estilo partido alto, no qual as músicas em geral narram histórias de amor, a configuração dos corpos presentes naquele ambiente era lenta, sem movimentos cortados, o balanço do quadril quase não variava. Se tivéssemos que estabelecer uma analogia dos movimentos executados por esses corpos, com os padrões neuromusculares do movimento, segundo Valerie Hunt, diríamos que eram movimentos flutuantes. No entanto, se fosse proposta tal analogia com o outro estilo, diríamos que se tratava de uma combinação de movimentos condensados e explosivos, certamente com o intuito de dar fisicalidade ao discurso agressivo das letras das músicas.

Acreditamos que a visita ao pagode foi necessária e eficaz, pois embasados nesta observação certamente construiremos conhecimentos mais elaborados acerca do assunto, bem como, estruturaremos discursos mais fundamentados sobre este movimento que deixa há anos o lugar de subcultura baiana, subvertendo paradigmas e se firmando como cultura de massa da nossa cidade, que, por ora renega a viabilidade de custear um ingresso para os espaços mais elitistas de cultura, mas, por conseguinte investem para ouvir e assistir aquilo que entendem como cultura.

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